egito gonçalves / in O Pêndulo Afectivo, Porto, Afrontamento, 1991
AFOGADO NO RIO LEÇA
Vogavas entre duas águas com o corpo torcido
e a corrente impelia-te, vagarosamente, para a foz.
O coração batia mas já não respiravas;
a morte instalava-se no teu corpo molhado.
Devagar montava a máquina dos sonhos,
devagar armava-te as futuras asas.
No mar afundavam-se os símbolos da tarde;
enovelado, sem poesia, asfixiavas,
descendo o rio em direcção à noite,
descendo o rio em direcção à liberdade.
As unhas violáceas, os cabelos flutuando,
o sangue estrangulado, a fome liquefeita...
Então, como a um menino, alguém te conduziu para a margem relvada.
A Morte sentou-se a ver os trabalhos de respiração artificial,
depois disse-te «Adeus», acenou-te «Até breve»,
e aproveitou a ambulância que te levava ao hospital
para ir mais depressa à sua vida.
1951
m. álvarez bravo
1 comentário:
Li apenas 'Os arquivos do silêncio; muito pouco, na verdade, de quem foi muito. Não lhe conhecia este poema 'leceiro'; mas não admira, de quem lhe nasceu vizinho...
Foi grato lê-lo.
abraço.
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