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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








domingo, 20 de outubro de 2013

das palavras dos outros






egito gonçalves / in O Pêndulo Afectivo, Porto, Afrontamento, 1991




 AFOGADO NO RIO LEÇA


Vogavas entre duas águas com o corpo torcido
e a corrente impelia-te, vagarosamente, para a foz.
O coração batia mas já não respiravas;
a morte instalava-se no teu corpo molhado.

Devagar montava a máquina dos sonhos,
devagar armava-te as futuras asas.

No mar afundavam-se os símbolos da tarde;
enovelado, sem poesia, asfixiavas,
descendo o rio em direcção à noite,
descendo o rio em direcção à liberdade.

As unhas violáceas, os cabelos flutuando,
o sangue estrangulado, a fome liquefeita...

Então, como a um menino, alguém te conduziu para a margem relvada.
A Morte sentou-se a ver os trabalhos de respiração artificial,
depois disse-te «Adeus», acenou-te «Até breve»,
e aproveitou a ambulância que te levava ao hospital
para ir mais depressa à sua vida.

1951







 m. álvarez bravo







1 comentário:

jorge esteves disse...

Li apenas 'Os arquivos do silêncio; muito pouco, na verdade, de quem foi muito. Não lhe conhecia este poema 'leceiro'; mas não admira, de quem lhe nasceu vizinho...
Foi grato lê-lo.
abraço.