súbito
Agora o menino fixa os brilhos do Sol numa poça de água. O labirinto de ruas, esquinas, montras, espelhos, tabuletas que dizem «moda», «médico», «filatelia», «retrosaria», trouxe-o até ali, àquela praça de luz mediterrânica. Vão partir para África tios e primos, fica pequenino à sombra do vapor, um imenso paquiderme, aquele movimento do cais chora-lhe nos olhos. Ele antecipa a sirene dramática, o barco que vai desencostando, os sabidos lenços brancos. Fixa os brilhos de Sol numa poça de água, a intensidade que ofusca, e pensa, surpreendendo-se de o pensar: «Vou olhar esta luz. Daqui a muitos anos volto a pensar nela, ela existirá ainda talvez, talvez tudo exista ainda um pouco e nada tenha acabado e eu fique aqui para sempre a olhar o brilho desta água para não chorar, talvez partam mas tudo fique ainda um pouco, para sempre».
J.M.T.S. in A Minha Palavra Favorita, Centro Atlântico, 2007
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