sublinhados & notas
depoimento na revista Time Out Porto (Agosto 2017)
COMO EU ESCREVO
Antes
de mais, seguir o conselho de um grego antigo: falar e escrever, mas só se for
mais intenso do que o respectivo silêncio. Ainda assim, arriscar, porque o
céptico Bartleby não existiria sem o diligente Melville. Partimos, como se vê,
do que os outros fizeram e acrescentamos gestos muito nossos. Aceito a energia
de gatafunhos e manchas de tinta, pode ser num café barulhento ou em rascunhos
mentais pelo caminho, em discreta homenagem aos peripatéticos. Seguem-se
tentativas de depuração, em que o computador ajuda muito, se possível no
silêncio, num lugar simplificado, sem esquecer a prova dos nove da leitura em
voz alta. Os textos merecem depois algum repouso, entre os trabalhos e os dias.
Como na arte das compotas, só então se avalia o sabor inteiro, se algum
persistiu. A insinuação do que escrevo surge-me de um fundo de vivências
indistinto e forte, que procuro esclarecer em meia dúzia de fórmulas
abstractas. Mas o projecto é alcançar uma espécie de música de sílabas e
ideias, de lugares, tempos e pessoas. Podemos verificar se tudo correu bem: as
palavras aumentaram a vida?; a vida aumenta as palavras? Isto tudo sou eu a
dizer, mas temos acesso a muito pouco. “Como eu escrevo” é só mais uma ficção, um
pouco inconsciente de si própria. Em todas elas e nos poemas sigo o antigo
acordo ortográfico. O outro só em relatórios, e não é disso que se trata aqui.
jmts
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