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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








quinta-feira, 24 de agosto de 2017

sublinhados & notas



depoimento na revista Time Out Porto (Agosto 2017) 



COMO EU ESCREVO

Antes de mais, seguir o conselho de um grego antigo: falar e escrever, mas só se for mais intenso do que o respectivo silêncio. Ainda assim, arriscar, porque o céptico Bartleby não existiria sem o diligente Melville. Partimos, como se vê, do que os outros fizeram e acrescentamos gestos muito nossos. Aceito a energia de gatafunhos e manchas de tinta, pode ser num café barulhento ou em rascunhos mentais pelo caminho, em discreta homenagem aos peripatéticos. Seguem-se tentativas de depuração, em que o computador ajuda muito, se possível no silêncio, num lugar simplificado, sem esquecer a prova dos nove da leitura em voz alta. Os textos merecem depois algum repouso, entre os trabalhos e os dias. Como na arte das compotas, só então se avalia o sabor inteiro, se algum persistiu. A insinuação do que escrevo surge-me de um fundo de vivências indistinto e forte, que procuro esclarecer em meia dúzia de fórmulas abstractas. Mas o projecto é alcançar uma espécie de música de sílabas e ideias, de lugares, tempos e pessoas. Podemos verificar se tudo correu bem: as palavras aumentaram a vida?; a vida aumenta as palavras? Isto tudo sou eu a dizer, mas temos acesso a muito pouco. “Como eu escrevo” é só mais uma ficção, um pouco inconsciente de si própria. Em todas elas e nos poemas sigo o antigo acordo ortográfico. O outro só em relatórios, e não é disso que se trata aqui.

jmts








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