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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








sábado, 18 de janeiro de 2014

O aprendiz de FEITICEIRO
teorias portáteis sobre poesia

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imagem vista aqui e aqui




A magnólia é a poesia
[Luiza Neto Jorge, Daniel Faria, Luís Quintais]




Shohei Hanazaki


Roland Barthes em Lição: « É porque a literatura põe em cena a linguagem, em vez de simplesmente a utilizar, que engrena o saber no mecanismo da reflexividade infinita: através da escrita o saber reflecte continuamente sobre o saber, segundo um discurso que já não é epistemológico, mas dramático.»

Assim é, por maioria de razão, com a poesia. Pense-se no "poetodrama" ou no "drama em gente"  pessoanos (para retomar as expressões de José Augusto Seabra), em que vemos a poesia sistematizar e potenciar essa sua vocação. Pense-se também naquilo que nos dizem três poetas sobre uma magnólia (ver textos abaixo)- Luiza Neto Jorge, Daniel Faria e, finalmente, Luís Quintais, cujo poema despoletou em mim a consciência de um sucessivo reenvio de saberes entre textos. Tal acontece de um modo tão fulgurante que, a partir de um certo ponto, o Tempo se lê apenas no tempo dos poemas. Não faz, então, sentido procurar quem inicia as falas, quem pergunta ou quem responde.

A magnólia começa por existir (ali está ela) e expõe a sua beleza e intensidade- digamos assim, para simplificar. Mas, justamente, os poemas não simplificam e neles vemos três modos diferentes de usar e conceber a poesia.

No poema de Luiza Neto Jorge é como se essa existência exaltasse o próprio existir de todas as existências, o que faz dela o "acontecimento mestre". Tudo se despoleta a partir daquela vocação da poesia que nos dá a "exaltação do mínimo", do mais discreto que justifica a vida, para lá de todos os valores e construções sociais. Assim preconizava, aliás, Ricardo Reis, que sabe também, poeticamente, de magnólias: «Prefiro rosas, meu amor, à pátria, / E antes magnólias amo / Que fama e que virtude.» Luiza exemplifica no seu texto o devir magnólia do poema e do sujeito. 

Em Daniel Faria o poema encena-se enquanto plataforma de comunicação da deslumbrada evidência dos seres, na sua tremenda aparição e desaparição. Busca-se uma verdade de que fosse possível comungar e nos esperasse entre sombras iluminadas pela absoluta alteridade daquela magnólia que "cresce sempre / Apesar de nós."

Ciência de coisas derradeiras, o poema de Luís Quintais vem "depois da música" e de tudo o resto. Sabe demasiadamente bem que não alcança uma luz central ou o vivo relâmpago dos seres, porque a magnólia é já só a poesia enquanto "difusa luz" do esquecimento, ausência de todas as magnólias (para lembrar uma expressão conhecida). O poema decalca os vincos transparentes das folhas da poesia, é a vítima de uma armadilha de perdidos ecos perdendo-se uma vez mais. E, contudo, ele aí esta, é o aceno cúmplice que o título destaca, inscreve ainda uma dedicatória, repete a dedicação ao ofício de juntar palavras, assim tão desprotegido entre magnólias e poemas sobre magnólias.


Referências:
Daniel Faria, Poesia, 3ª ed., V.N. Famalicão, Quasi edições, 2009
José Augusto Seabra, Fernando Pessoa ou O Poetodrama, Lisboa, INCM, 1988
Luís Quintais, Depois da Música, Lisboa, Tinta da China, 2013
Luiza Neto Jorge, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 1993
Ricardo Reis, Poemas de Ricardo Reis, Lisboa, Ed. Comunicação, 1992
Roland Barthes, Lição, Lisboa, Edições 70, 1979

 



 A MAGNÓLIA

A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria — na metáfora —
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.

Luiza Neto Jorge

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Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas – podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia – e essa é a verdade – cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti. E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão

Daniel Faria 

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 LUIZA E DANIEL

A magnólia, não a direi
sob a difusa luz do escrito.
Ela preenche a solidão
desta rua onde não estou.
A magnólia é a poesia,
a armadilha do poema
vindouro.

Luís Quintais





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