teorias portáteis sobre poesia
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Roland Barthes em Lição: « É porque a literatura põe em cena a linguagem, em vez de simplesmente a utilizar, que engrena o saber no mecanismo da reflexividade infinita: através da escrita o saber reflecte continuamente sobre o saber, segundo um discurso que já não é epistemológico, mas dramático.»
Assim é, por maioria de razão, com a poesia. Pense-se no "poetodrama" ou no "drama em gente" pessoanos (para retomar as expressões de José Augusto Seabra), em que vemos a poesia sistematizar e potenciar essa sua vocação. Pense-se também naquilo que nos dizem três poetas sobre uma magnólia (ver textos abaixo)- Luiza Neto Jorge, Daniel Faria e, finalmente, Luís Quintais, cujo poema despoletou em mim a consciência de um sucessivo reenvio de saberes entre textos. Tal acontece de um modo tão fulgurante que, a partir de um certo ponto, o Tempo se lê apenas no tempo dos poemas. Não faz, então, sentido procurar quem inicia as falas, quem pergunta ou quem responde.
A magnólia começa por existir (ali está ela) e expõe a sua beleza e intensidade- digamos assim, para simplificar. Mas, justamente, os poemas não simplificam e neles vemos três modos diferentes de usar e conceber a poesia.
No poema de Luiza Neto Jorge é como se essa existência exaltasse o próprio existir de todas as existências, o que faz dela o "acontecimento mestre". Tudo se despoleta a partir daquela vocação da poesia que nos dá a "exaltação do mínimo", do mais discreto que justifica a vida, para lá de todos os valores e construções sociais. Assim preconizava, aliás, Ricardo Reis, que sabe também, poeticamente, de magnólias: «Prefiro rosas, meu amor, à pátria, / E antes magnólias amo / Que fama e que virtude.» Luiza exemplifica no seu texto o devir magnólia do poema e do sujeito.
Em Daniel Faria o poema encena-se enquanto plataforma de comunicação da deslumbrada evidência dos seres, na sua tremenda aparição e desaparição. Busca-se uma verdade de que fosse possível comungar e nos esperasse entre sombras iluminadas pela absoluta alteridade daquela magnólia que "cresce sempre / Apesar de nós."
Ciência de coisas derradeiras, o poema de Luís Quintais vem "depois da música" e de tudo o resto. Sabe demasiadamente bem que não alcança uma luz central ou o vivo relâmpago dos seres, porque a magnólia é já só a poesia enquanto "difusa luz" do esquecimento, ausência de todas as magnólias (para lembrar uma expressão conhecida). O poema decalca os vincos transparentes das folhas da poesia, é a vítima de uma armadilha de perdidos ecos perdendo-se uma vez mais. E, contudo, ele aí esta, é o aceno cúmplice que o título destaca, inscreve ainda uma dedicatória, repete a dedicação ao ofício de juntar palavras, assim tão desprotegido entre magnólias e poemas sobre magnólias.
Referências:
Daniel Faria, Poesia, 3ª ed., V.N. Famalicão, Quasi edições, 2009
José Augusto Seabra, Fernando Pessoa ou O Poetodrama, Lisboa, INCM, 1988
José Augusto Seabra, Fernando Pessoa ou O Poetodrama, Lisboa, INCM, 1988
Luís Quintais, Depois da Música, Lisboa, Tinta da China, 2013
Luiza Neto Jorge, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 1993
Ricardo Reis, Poemas de Ricardo Reis, Lisboa, Ed. Comunicação, 1992
Roland Barthes, Lição, Lisboa, Edições 70, 1979
Um diminuto berço me recolhe
A magnólia,
um mínimo ente magnífico
A MAGNÓLIA
A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria — na metáfora —
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.
Luiza Neto Jorge
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Sabes, leitor, que
estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de
teres chegado agora
Para te explicar como
vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na
terra que pisas – podes pensar
Que te digo alguma coisa
não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
Que a magnólia te cresce
como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia – e essa é a
verdade – cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra
que ela lançou no poema
Pode bem significar que
no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já
um pouco de ti. E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer,
nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.
A magnólia estende contra
a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da
magnólia como se pegasse na tua mão
Daniel Faria
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LUIZA E DANIEL
A magnólia, não a direi
sob a difusa luz do escrito.
Ela preenche a solidão
desta rua onde não estou.
A magnólia é a poesia,
a armadilha do poema
vindouro.
Luís Quintais
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