Parábola Óptica
teorias portáteis sobre fotografia
Pascal Anders ou Da
Ocupação dos Lugares
Pascal Anders
New York
City, 2010
Alphabet City, 2011
Paris Est Tout Petit., 2011
Lothringen, 2013
São quatro dos livros do fotógrafo (ver aqui). Edições de autor,
chegam-nos pelo correio, em envelopes sóbrios mas personalizados, tamanho de
bolso. O grafismo é depurado e de discreto efeito, e podemos encontrar
elementos adicionais: provas numeradas, a reprodução de um postal ilustrado. Estes
ensaios fotográficos perseguem a comunicação, buscam novos leitores e olhares,
há neles um efeito claro de imersão no mundo, mas sem comprometer a busca e o
rigor estéticos. São convites a aproximarmo-nos dos lugares e a conhecê-los- contudo,
estamos nos antípodas do guia turístico ou de qualquer amena deambulação.
Impõe-se uma distinta personalidade fotográfica nestes
livros que reinventam a estética da “street photography” (particularmente os
ensaios dedicados a Nova Iorque e a Paris) ou o inquérito de matriz
sociológica, em que uma aparente neutralidade do olhar procura revelações e
intensidades (em Alphabet City e, de
forma mais evidente, em Lothringen).
Percorridos em conjunto, explicam-nos e exemplificam
diferentes estratégias dessa arte maior da fotografia que é a da ocupação dos lugares, e que se iniciou
quando Louis Daguerre, num dia de 1839, experimentando uma nova tecnologia,
decide dirigir a sua atenção para o Boulevard
du Temple, em Paris. E lá estavam
uma paisagem urbana, pelo menos dois figurantes humanos, uma ordem social, a
vida que já corria.
Em New York City
(2010), depois da plácida panorâmica inicial, transposto o rio, vamos
penetrar na silhueta negra da cidade. As fotografias ocupam todo o espaço das
páginas duplas e não vão permitir que o olhar serene. O contraste é muito
forte, temos algumas chapas de luz e o gelo das sombras. Estabelece-se uma
atmosfera que apetece chamar de bárbara beleza, um tanto subsidiária da
estética cinematográfica de uma câmara de mão.
Estamos sempre demasiado próximos, como se nos fosse
retirada a hipótese de um tempo de reacção e nos surpreendesse a vertigem de um
lugar. O fotógrafo expulsa-nos de todo o espaço de conforto e a composição das
imagens privilegiará os planos inclinados, as perspectivas instáveis.
Estas fotografias colocam-nos a questão de gerir o
caos, de compreendê-lo ou sobreviver-lhe, envolvidos que estamos por uma
multiplicidade de índices sociais e até raciais. Há em tudo uma pulsação
simultaneamente pública e íntima e o mapa da cidade parece fazer-se de uma
espécie de densa esgrima de olhares. Os “graffiti” surgem como se fossem
verdades instantâneas e precárias, surpreendendo o espectador em busca de uma
sintaxe e de um sentido para os elementos aleatórios da cidade. É uma estética
que se faz de vedações, gradeamentos, linhas divisórias,
perímetros de segurança, e em que circulam figuras que nos aparecem frequentemente a três
quartos, no celebrado e dinâmico “plano americano”.
O livro sugere-nos um devaneio final: a noite cai,
envolve o Chrysler Building; a banda
sonora será de um jazz trepidante, com um solo áspero e lírico; e, se na última
imagem lemos (enfim) “peace”, é apenas uma palavra de difícil e ilusória
interpretação.
Em Paris Est Tout Petit. (2011)
encontramos grandes afinidades com o livro dedicado a Nova Iorque, mas o efeito
global é substancialmente diferente. De alguma forma, passamos de um ponto de
vista exterior para a tentativa de sugerir a instalação num lugar íntimo ou
natal. É como se captássemos em duas grandes metrópoles o seu timbre
distintivo, um personalizado mas indefinível modo de existir e de se
manifestar. (Novo delírio: ouvimos agora “Gymnopédies” de Eric Satie, uma banda sonora para caminhar com serenidade,
languidez e algum sobressalto.)