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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








sábado, 2 de março de 2013

O aprendiz de FEITICEIRO
teorias portáteis sobre poesia



Como definir a poesia, senhor Breton?

A poesia é um assunto que vem no vento quando o vento bate no jardim. Eis o início de uma definição. Claro que o vento não é uma estrutura inteira que possa bater completamente num jardim. E nem um jardim é essa unidade que o vocábulo jardim aparenta. Existem as flores e a falta de flores; as raízes enquanto parte invisível da memória do jardim e as folhas caídas no chão como parte visível da memória do jardim. Passado e presente temos juntos e momentâneos num jardim, o futuro não. E é o vento (que visto por quem vê seriamente as coisas), é o vento que afastado ainda do jardim, aproximando-se, traz com ele o futuro. E é quando a profecia, em brisa, bate em cheio no presente e no passado, é aí, momento nítido, que surge a poesia. Que bonito!
Claro que poderás dizer que, se o vento leve sobre as folhas caídas e sobre as folhas levantadas é poesia, então será discurso impublicável.
E sim, é certo, tens razão: é impublicável tal discurso; vocábulos finíssimos. Dirás ainda que o vento breve no ramo forte é verso erudito de mais, que poucos- raros- o entendem. Sim, tal é também verdade: poucos raros o entendem. Mas sabes que os raros quando atravessam os campos fazem levantar a cabeça às toupeiras. E quando entram no mar atravessam o mar fortemente chegando intactos ao lado oposto. Estes são os raros. Eis o que diz o senhor Breton.
O homem comum utiliza a salvação para se salvar. Os raros utilizam o veneno para se salvarem.


Gonçalo M. Tavares 
"Seis perguntas ao senhor Breton- sobre o prazer da poesia" in O Prazer da Leitura, Teorema/Fnac, 2010





Jillian Tamaki







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