teorias portáteis sobre poesia
Poesia e Real ou O Poeta e o Mar
Fernando Guimarães escreve poesia e fala sobre poesia. Continua a ser um dos segredos menos bem escondidos da nossa cultura literária e filosófica, um autor devidamente consagrado, mas que se mantém discretíssimo. (Fica aqui uma excelente leitura do poeta por Maria João Reynaud).
Desta vez, encontramo-lo numa entrevista filmada, na Página Literária do Porto, em três sequências (aqui). Num primeiro momento, fala-nos da "Poesia Portuguesa Contemporânea", centrando-se, em particular, nos conceitos de "modernismo" e "pós-modernismo"; depois discorre sobre os "Sentidos da Poesia" (linguagem, imaginação e ideologia) e o "Papel da Crítica". No último filme, após a abordagem do tema "Da Década de 50 à Actualidade" (revistas de poesia e edição de poesia), temos "Poesia e Real".
Poesia e Real, portanto. A pergunta do entrevistador terá sido esta: qual a influência, na sua poesia, do lugar onde nasceu e vive, o Porto? Fernando Guimarães responde:
« Julgo que essa influência não foi significativa. Apenas terá para mim um significado (mas um significado que se fecha em mim mesmo) o facto de eu viver muito junto do mar, e olhar para o mar é qualquer coisa que não pode deixar de nos influenciar. Mas se nos influencia, poderá influenciar a poesia?»
O poeta responde com uma pergunta e um sorriso sábio e hesitante, numa espécie de douta ignorância. Depois percebemos, nos últimos planos, que se trata de uma sala cheia de livros, uma luz central, um vulto na mesa de trabalho, uma janela azul quase noite.
Talvez possamos, humildemente, colocar as coisas deste modo. Há lugares e mundos que não podem deixar de nos influenciar. Há significados que se fecham em nós mesmos. O poema imita os lugares e os mundos na medida em que o seu significado se fecha em si mesmo.
Duas citações. A primeira de António José Saraiva em Ser ou Não Ser Arte, Pub. Europa-América, 1974:
O poema e as suas palavras não representam, são. Não há além do poema, a não ser a infinitude em que ele mesmo participa. E este ser do poema e das suas palavras não se fecha dentro do poema e das suas palavras. O poema significa sempre algo, mas já não no sentido de que é o significante ou o representante de outra coisa, antes no de que não cabe todo dentro dele mesmo, está dentro e fora dele mesmo. Um poema significa uma realidade do mesmo modo que uma concha marinha significa o mar: ela não é o emblema convencional do mar: é também o mar, onde se gerou e de que nos traz a presença.
A segunda citação recolhemo-la no próprio Fernando Guimarães e é o início de um poema de Na Voz de um Nome, Roma Editora, 2006 :
Refiro-me ao mar, à areia, a esta rede dispersa e transparente.
Isto é o que escrevo e tu, leitor, vens acrescentar algumas palavras; sempre foi assim. Procuro encontrar à volta um pouco mais de luz, e se ela chegou foi porque a trazias contigo.
É favor ler todo o resto do poema. Fica na página 12.
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