J.M.T.S.
súbito
Na segunda [história] não nasci, mas há uma mulher que espera, com as mãos cruzadas no ventre. Olha pela janela do enorme edifício, uma fábrica de silêncios e ecos, a manhã avança, é como se escutasse o rumor do mundo, os silvos da sua rotação. Ela vê as ramagens em sobressalto, está à espera em frente do vidro e decifra as gotas de chuva. Batem as portadas, aqui e acolá, pensa nos pescadores que estão longe e sofrem no mar, nos que se abrigam entre as torres antigas da sua cidade, nos que vão pelos arrabaldes lamacentos. Acaricia distraidamente o ventre, descobre na distância um vulto que está também à janela, um rapaz que olha a tempestade, o mundo inteiro que nasce para os seus olhos. Ele acena-lhe longamente, por entre os riscos do dia, ela decide responder-lhe.
J. M.T.S. in A Minha Palavra Favorita, Centro Atlântico, 2007