inês lourenço / O Segundo Olhar, Companhia das Ilhas, 2015
AS ASAS DO DESEJO
No filme de Wenders, com
versos de Handke, os anjos fingem
estar fartos de um tempo
infinito. Sonham com os
pequenos tempos de sentar-se à mesa
a jogar cartas. Ser cumprimentado na
rua, nem que seja com um aceno. Ter
febre. Ficar com os dedos sujos
de ler o jornal. Entusiasmar-se com uma
refeição ou com a curva
de uma nuca. Mentir
com habilidade. Ao andar
sentir a ossatura mexer-se a cada
passo. Supor, em vez de saber
sempre tudo. Cá em baixo, os
humanos não suspeitam da beleza
do peso que os segura à terra e fingem
o futuro em cada minuto, para
deixar de dizer agora, agora, agora…
Bruno Ganz . 1941 - 2019