gastão cruz/ Existência, Assírio & Alvim, 2017
SÓIS
Acabou fevereiro e a luz lisa
de março tomou conta do deixado
deserto do inverno; abro a camisa
ao trémulo calor que descuidado
entra na pele: uma ilusória brisa
igual à ilusão do adiado
verão geral que a memória exorciza
como se só pensá-lo fosse o lado
mais cruel de existir porque não há
como recuperar os verões findos
num único verão que contivesse
todos nem a memória poderá
na sua luz total ter os infindos
sóis dúbios de onde a luz desaparece
1 de Março de 2017
AZUL-BILBAU
Azul-cantábrico, azul-bilbau
Eugénio de Andrade, Mar de Setembro
Toda a noite sonhei com o mar de bilbau
que só rapidamente uma vez vi
de passagem em san sebastian
mar cantábrico duro azul e frio
Toda a noite? segundos? as imagens
do sonho têm tempo? azul-bilbau
imagem rediviva poesia
no sonho nítida
com a vertigem fixa de uma onda
que veio sobre mim como um castigo
porque a memória em sonho convertida
se ganha a nitidez clara da pedra
mata a imagem que verdadeiramente
não existe exercendo o seu assédio
Bruno Réquillart
Itália, 1977
livro comprado na apresentação na livraria Flâneur,
no Porto, em 18 de Novembro de 2017