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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

sublinhados & notas



depoimento no dossier Eros e Literatura (revista digital Caliban: aqui)
- organização de Maria da Conceição Caleiro

eleger um autor e um livro 
ou uma passagem de um autor 
de língua portuguesa sentidos
como particularmente perturbantes







EROS e LITERATURA

Escolho o célebre conto “Missa do Galo” de Machado de Assis. Trata-se, na aparência, de uma simples conversa entre uma personagem feminina, Conceição, uma “balzaquiana”, e o narrador, um jovem de dezassete anos. Abordam-se temas anódinos e até com um pretexto da área do sagrado (a referida missa), mas é, na verdade, um texto onde perpassa uma insinuante tensão erótica. Nele aprendemos que o fundamental do erotismo talvez seja, afinal, conversa, minuciosos preliminares do impossível: o entredito, o interdito, o inaudito, o subentendido, numa coreografia de palavras e gestos marcada por aproximações e afastamentos, alguns avanços, muitos recuos. Apuradas as contas, o exercício de sedução tem como alvo o leitor, sendo a literatura o seu principal agente- só porque ela assim tão profundamente tem a ver com os humanos e a dança com que eles se repelem e logo atraem.

Também pensei no Amor de Perdição de Camilo, na relação Simão / Mariana, por contraste com o par Simão / Teresa. É o conhecido “triângulo amoroso”, mas a figura de Mariana impõe-se por si mesma. O romance vive de uma espécie de tensão entre o corpo da paixão e, com Mariana, a paixão como corpo. A perdição é também a desse encontro/ desencontro, Simão e Mariana enfim unidos na turbulência fatal das águas, tudo finalmente à deriva. Retenho ainda um diálogo entre Mariana e Simão, na sequência final do capítulo VIII, feito simultaneamente de inocência e ousadia, pudor e oferecimento.

Estive quase a escolher Os Maias de Eça de Queiroz. Poderíamos falar da perturbação erótica que perpassa no romance, reflectindo a partir de duas descrições paradigmáticas- do incesto inconsciente (capítulo XIV) e do incesto consciente (capítulo XVII), como se se tratasse de duas faces do erotismo (espiritualidade vs. carnalidade).
    
Lembrei-me de Aparição de Vergílio Ferreira e da relação Alberto / Sofia. Há nela uma dimensão erótica que não encontra lugar na tentativa, por parte do protagonista, de compreensão do “eu” e do “mundo”, na sua busca de um difícil apaziguamento. O erotismo é aí um sítio de absoluto desespero e desamparo.

Devo ainda confessar que pensei no Delfim de Cardoso Pires e na sua Maria das Mercês, na Judite de Nome de Guerra de Almada e em algumas passagens de Confissões de Narciso do brasileiro Autran Dourado.

jmts 

 

 Masao Yamamoto 
visto aqui