poesia . fotografia . & etc.


Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








quarta-feira, 28 de setembro de 2011

as súbitas permanências



LONDRES, DEDICATÓRIAS NOS BANCOS DOS JARDINS
para a Inês

Por aqui outro alguém muito passava, deixou poucas palavras
Sentava-se nestas sombras, exactamente como
Mrs. Dalloway, que foi ficando, folha após folha?
Abandonar assim a memória mais suave
cada instante de vida em debandada
inocente oscilação de galhos sobre galhos
Que só com alheia distracção
atentem nas palavras que ficaram
e se perdem assobiando para os pássaros
Um desejo eternamente confundido
no enleio sussurrante do jardim
A vida ou o salto infindo dos esquilos
apenas o modo brusco como toda a árvore
cai para sempre em cada folha
Iam e vinham das torres sobre torres
cruzavam-se no nevoeiro, brilhantes de memória
Iluminem agora outros as suas mágoas
na transparência obscura dos nenúfares
respirem a íntima vastidão dos relvados
feridos de estrelas um dia pressentidas

Como um livro, veloz memória
que o esquecimento variamente desfolhasse
numa história de chuvas entranhadas
e perfumes sabiamente evanescentes


J.M.T.S. in As Súbitas Permanências, Quasi Edições, 2001 (aqui)






jmts







sábado, 17 de setembro de 2011

olhos nos olhos



Bert Stern - The Last Sitting. Marilyn Monroe - 1962


Com um fio de sangue recuso esta imagem. Mostra apenas a difícil perfeição da vida: pele demasiado delicada, pronta para o tacto e inocentes pisaduras; as partes que pendem com a gravidade do tempo; tonalidades fixando os olhares que se alimentam de mim. A vida e um fio de sangue. Pormenores que, daqui a pouco (digamos, seis semanas), se esvaem para o mais dentro de si.

J.M.T.S.








terça-feira, 13 de setembro de 2011

sábado, 10 de setembro de 2011

as súbitas permanências





PORTO, TRASEIRAS DA SÉ

para os meus pais

São nossos, tão de longe, esses olhos
Por aqui sempre ficaram

no esplendor reverso das traseiras

Longamente inscrevem, na luz que os enruga
a mais aérea e límpida gravura

Tudo o que da água sabe o filho de um peixe
assim nos ensinam, distraídos
a inclinar a cabeça, como evitar
a demorada disposição da terra
um tempo que em relances se acumula

Encontramo-nos todos nestes pátios
inocentes das nuvens que nos sabem
Há luzes que se acendem a espaços
pelo granito, caliça, ferros, aquela torre
Alguém de novo as vê uma primeira vez


J.M.T.S. in As Súbitas Permanências, Quasi Edições, 2001 (aqui)







jmts







sábado, 3 de setembro de 2011

o coração vertiginoso e a lentidão do mundo



michelangelo antonioni . blow- up . 1966
com David Hemmings e Vanessa Redgrave


O cinema, a fotografia. Momentos congelados que perseguimos na sua perfeição serena ou terrível. Mas obrigamo-nos a ir mais longe, a ligar no tempo duas imagens, chegar sempre mais perto, procurando uma verdade desfocada ou o mistério que permita salvar as vidas.