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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








domingo, 27 de abril de 2014

processos sumários

 


PROCESSOS SUMÁRIOS

São processos sumários
que nos levam aos quartos

Há uma espécie de pendor oblíquo
das ruas, sequências de aguaceiros
grandes calmas, o que nos cerca
quando o dia cai inteiro

Esqueceremos o nome mais antigo
apagamo-lo dentro do lugar, regressa
com as luzes, alguém assim o traz
falando de outra coisa

Tudo existe em flagrante
estamos à janela e vemo-nos
chegar, súbitas travagens
ambulâncias, apitos que chamam
do mar muito em criança

Escolheremos o sítio para a mesa
os breves desenhos entre cadeiras
questão de começar os inventários
saber do que insiste nas paredes
se música dos céus, rumor dos
canos, apenas o modo como
o mundo se avaria

Em todo o caso, cuidaremos desse leito
da dobra fria dos lençóis, difícil
a posição das mãos, a travessia
para o demasiado sono


jmts



publicado em Quarto de Hóspedes
volume colectivo, Língua Morta, 2013 (aqui)





Emma McNally
visto aqui







2 comentários:

Graça Pires disse...

Um poema a falar da morte(?) sem qualquer complacência...
Também considero um "processo sumário" essa "travessia
para o demasiado sono"
Gostei do poema, que li e reli para o entender melhor. Será que consegui?
Um abraço.

José Manuel Teixeira da Silva disse...

Não sei se sou a pessoa adequada para falar disto...É também, decerto, um poema sobre a morte (e os versos finais apontarão para aí), que é uma questão da vida, da sua habitação e da busca do sentido que possa ter, de que o texto também falará- digo eu...
Mas, se funcionar, o poema sabe mais do que eu, embora tenha trabalhado muito nele. Um abraço.