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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








quinta-feira, 31 de março de 2016

sublinhados & notas



existe e está aqui e então acaba  | Roberto Taddei | col. pequenos exílios | Dobra Editorial | São Paulo, 2015



LITERATURA: MODO DE USAR

É esta uma narrativa deliberadamente pouco exemplar e quase nada edificante, mas é a prova provada de que os livros chamam os livros, muito em particular os clássicos, sem esconder como eles continuamente se entendem e desentendem com a vida.

Por alguma razão me ficou na memória uma passagem da muito peculiar autobiografia de Barthes, Roland Barthes por Roland Barthes (Lisboa, Edições 70, 1976), num segmento que intitulou "O tempo que está" (p. 212). De novo ela se me impôs, agora em diálogo com este belo livro que integra a colecção "pequenos exílios" da Dobra Editorial, de São Paulo. Conta Barthes que, de férias na província, uma padeira com quem se cruza comenta  que "continua a estar bom tempo!", ao que ele terá acrescentado "e a luminosidade é tão linda!". A padeira não responde e o autor constata que houve um curto-circuito de linguagem e que "ver a luminosidade" provém duma perspectiva de classe. Diz ele: "Em resumo, nada mais cultural do que a atmosfera, nada mais ideológico do que o tempo que está."

A narrativa de Roberto Taddei faz-se também destes choques entre o erudito e o popular, a literatura e a natureza, e a sua não exemplaridade deriva precisamente do propósito de, sem disfarces, vincar uma suspeita fundamental acerca da capacidade de adesão dos livros e da arte ao mundo natural e humano.


De alguma forma, a missão que o narrador-professor se impôs, a de ensinar os grandes clássicos naquelas paragens do agreste pernambucano, faz da personagem uma espécie de improvável anti-herói de uma não menos inesperada anti-epopeia. Desta missão que se vai afigurando impossível, há sequências verdadeiramente antológicas. Talvez o essencial se possa sintetizar no desabafo de Zé Diacho, o formando que logo no nome transporta o pecado da contradição: "Num aperto desses (...) como é que se vai falar de literatura, diacho?" (p. 21). Ou recordemos (um exemplo apenas entre muitos) como o narrador não pode deixar de concluir, com a sombra de uma frustração, que "A noite no agreste de São Joaquim do Monte não tinha nenhum sortilégio, só pererecas (...)" (p. 33); ou então ainda como o protagonista, na biblioteca local, em demanda dos livros que possam falar da história da cidade, se confronta com uma interlocutora para quem a urgência é o feijão no fogo (p.34). Na vida do narrador, talvez como na vida tout court, o sublime e o trivial não podem deixar de coexistir, mas tudo isso se percebe melhor num lugar como São Joaquim do Monte. Quanto às bibliotecas, mesmo sem Babel, não deixam de ser todas como aquela-  por definição e contingência,  total enigma e denso labirinto.
 

sábado, 26 de março de 2016

O aprendiz de FEITICEIRO
teorias portáteis sobre poesia

 outras teorias portáteis sobre poesia aqui



 LUPA E GRÃO DA VOZ

"La última costa" de Francisco Brines.
Parece-me este vídeo uma boa síntese do que é a poesia. Um autor que é seu leitor, que tem de decifrar as suas próprias, tão íntimas palavras, o seu próprio passado, recriá-lo multiplicando os olhos, num saber das últimas e das primeiras coisas. Ver muito, ver pouco. Um poema perfeito e bem arrumado no seu livro, mas o imenso grão da voz.




http://cultura.elpais.com/cultura/2015/11/23/babelia/1448293850_921270.html?id_externo_rsoc=FB_CC
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