poesia . fotografia . & etc.


Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

das palavras dos outros




josé pascoal / Sob Este Título, Editorial Minerva, 2017




IMAGEM E SEMELHANÇA

Não sou adepto de peregrinações.
Basta-me um caminho na erva.
Certas ausências em parte incerta.

Não tenho alma de vagabundo.
Sei apenas de momentos memoráveis:
Uma nuvem no céu, uma sombra no poço.

Os meus passos não vão dar a parte nenhuma.
Não tenho encontros. Não me arrisco.
Não faço nada que me obrigue a ir e vir.

Os meus desígnios são insondáveis.
É a minha única parecença com Deus.




VISITA DOMICILIÁRIA

Não reparem.
A casa foi desarrumada pelo vento.
Os bichos não têm de que comer.
O sol já brilhou nos ladrilhos da cozinha.

Não façam caso
Do pó de estricnina
Que cobre os retratos de família
E os recados deixados ao pé do telefone.

Esqueçam
As manchas de humidade no tecto,
Os sapatos gastos à beira da cama,
O silêncio ameaçador do fogão a gás.

Não reparem na minha pobre nudez.




A FELICIDADE É UM NOME

Devo ter sido concebido
No dia de Fiéis Defuntos.

Nasci numa aldeia à beira-mar.
As falésias elevam-se a 53 m.

A praia é um poço de caranguejos
E cargueiros naufragados.

Havia uma anciã chamada Felicidade.
Apareceu enforcada numa figueira.

Ninguém sabe quais serão as últimas palavras.




fotografias de André Kertész
vistas aqui







quinta-feira, 29 de novembro de 2018

 # Em Agenda #


LUVINA 93


 
LUVINA 93
Travesía Portugal
[por ocasião da Feria Internacional del Libro de Guadalajara 2018]

Tradução do conto "Limbo" por
Renato Sandoval Bacigalupo (p. 399)




quinta-feira, 13 de setembro de 2018

das palavras dos outros




josé pedro moreira / Gatos no Quintal, Enfermaria 6, 2018



O TERRENO 2

pedras a fazer de postes
o terreno de jogo
estava minado
de trampa canina
havia que fintar
os calhaus e os dejectos
evitar os carros estacionados
fugir quando um alarme tocava
o pior
era quando a bola
ia parar à vivenda
era preciso saltar a cerca
era preciso ser rápido
por causa do cão
no verão
os rapazes jogavam à bola
pela noite adentro
até deixarem
de ver as balizas




Carlos Cánovas
Paisaje Anónimo, Zarautz, 2017
visto aqui


outrora havia os mestres obreiros
erguiam catedrais de beleza a partir da pedra
dos anos para admiração de todos
tanto do vulgo como do senhor
quando calhava fechavam-nos numa caixa
e eles apodreciam no chão

nós os seus netos arrepiámos caminho
sabemos que entre nós e a morte
só há isto
erguer muros e sebes
para que os possamos derrubar
sabemos que esta é uma fórmula tão válida
como outra qualquer
de medir o tempo




Paul den Hollander
Les Pyramides du Nord
visto aqui







segunda-feira, 23 de julho de 2018

|Caderno dos Lugares|
                                  


















 

madrid | 2015
jmts








sexta-feira, 13 de julho de 2018

sublinhados & notas




Traçar um Nome no Coração do Branco | Rosa Alice Branco | Assírio & Alvim | 2018


DO POEMA ENQUANTO CLIPE

 
Apresentar um livro de poesia será sobretudo celebração da própria poesia, e nela da vida, na exacta medida em que os poemas nos acrescentem, como é notoriamente o caso, sentido e sentidos à nossa tão gloriosa como precária existência: Rosa Alice Branco, Traçar um Nome no Coração do Branco (Assírio & Alvim, 2018). E tal acontece, antes de mais, porque se trata de um ciclo poético extremamente desafiante em termos de leitura, ao baralhar expectativas e questionar, na prática, os limites do que podemos designar, simplificando, como o universo da poesia.
Há uma primeira tentação: ficarmo-nos pela leitura, pela simples leitura audível dos poemas, e eis aqui um primeiro impacto da obra, a par do livro-objecto que não nos deixa também indiferentes, assim demasiado rosa avermelhado, com um título a branco que nos fala, precisamente, do branco. Enleia-nos uma musicalidade muito natural, um falar que diríamos chão, mas cheio de pequenas e preciosas surpresas. Um discurso que cria uma insidiosa envolvência no leitor, uma espécie de respiração fácil; há uma distensão nesta poesia, preguiça sensual, languidez. Sinto o livro bastante “cool”, na sua musicalidade fluente, mesmo que o clima não deixe de ser frequentemente lírico e (não tenhamos medo da palavra) apaixonado. Ainda assim “cool”, predominando uma espécie de contínuo “legato” que, aliás, a regularidade da própria mancha gráfica confirma.

 
O que imediatamente toca o leitor neste livro é a conhecida coexistência na poesia de Rosa Alice Branco de um vector que ligaríamos ao pensamento racional, técnico, científico ou filosófico e de um discurso propriamente lírico (basta recordar títulos da autora como Monadologia Breve ou A Mão Feliz- Poemas D(e)ícticos). Poemas como os que aqui encontramos accionam múltiplos saberes e há, no caso particular deste ciclo, a proposta de uma espécie de catálogo de modalidades e objectos de design (num sentido amplo do termo), que vai das peças de autor aos objectos mais comuns, passando também por termos científicos ou referência a marcas comerciais e a um conjunto de termos que associamos ao mundo moderno e globalizado. No entanto, tais referências entram numa deriva poética que dá a um universo que seríamos tentados a considerar tecnocrático novas e inesperadas ressonâncias. Mas não se trata, naturalmente, de uma exibição gratuita de extravagância nem do gosto da provocação pela provocação, embora haja aqui um muito evidente sentido lúdico. Somos, antes, conduzidos a uma travessia de saberes que pressupõe um alargamento do campo de experiência da vida que a melhor poesia sempre nos propõe. Como diz Barthes em Leçon, trata-se apenas de seguir o exemplo da pedra de Bolonha:

            «A literatura [e por maioria de razão a poesia] ocupa-se de muitos saberes (…) [mas] desvaira os saberes, não estabelece ou fetichiza nenhum deles; concede-lhes um lugar dissimulado e essa dissimulação é preciosa. (…) permite designar saberes possíveis- insuspeitos, inacabados: a literatura trabalha nos insterstícios da ciência: está sempre para além ou aquém dela, tal como a pedra de Bolonha que irradia à noite o brilho que acumulou durante o dia e com esse luar ténue ilumina o novo dia que desperta. A ciência é grosseira, a vida é subtil, e a literatura interessa-nos na medida em que tende a corrigir essa distância, essa diferença.» (Lição, ed. 70, 1979, trad. Ana Malfada Leite)

sábado, 9 de junho de 2018

# Em Agenda #


Caderno 5


 
 

Caderno 5
os pastéis de nata ali não valem uma beata
[antologia de 2017]
Enfermaria 6, Lisboa, Maio de 2018, 220 pp.

Capa de Gustavo Domingues

aqui





sexta-feira, 4 de maio de 2018

OTERCEIROTEXTO


A tradução de um poema de Sinéad Morrissey de novo na Enfermaria 6 "Through the square window" pertence ao livro com o mesmo nome, de 2009, e é um dos mais conhecidos e enigmáticos poemas de Sinéad. 

A infância, a maternidade, a geografia mítica de Belfast, coisas deste mundo e do outro separadas por vidraças dificilmente transparentes, e muitos e diversos ecos: o azul de Delft, Derek Mahon ("Courtyards in Delft"), E E Cummings ("how do you like your blue-eyed boy / Mister Death") ou Larkin, a quem a autora já dedicara um texto do seu primeiro livro ("To Look Out Once from High Windows"). 





  






terça-feira, 17 de abril de 2018

In AbsentiA




                                                               jmts



sábado, 7 de abril de 2018

processos sumários



Em TLÖN 3
 dois poemas do ciclo Processos Sumários
 "Fumos" e "Nós, ossos"
 
com fotografias de 
John E. Weaver
(The Ecological Relations of Roots, 1919)














quarta-feira, 28 de março de 2018

# Em Agenda #



Tlön 3 






Tema: Abismo
Edição: Março de 2018
[300 exemplares, 64 págs., €5.00]


 Pedidos para 
tlon.revistaliteraria@outlook.pt







sábado, 17 de fevereiro de 2018

|Caderno dos Lugares|
                                 










  







paris | 2017
jmts





sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

processos sumários

 

GRANDES ÁRVORES, PISCINAS

                                         para a Fátima, em memória



É um facto que já cá não estás
nem te veremos por entre luzes
e sombras do verão que vier
ou nos braços húmidos do vento
em brilhos de água cercando-te 
enquanto respiras

Mas há vida entre todos os factos 
e foi em diferida inspiração
que a grande árvore caiu
conhecendo, discreta 
o teu caminho

Uns dias após a tempestade
quando inteira, em tronco
e ramos, e vidros partidos
imensamente nos desabou
em tua exacta memória

Uma vida entre todos os factos
quando nascias do fundo 
da piscina e os braços como folhas
suspendiam o corpo
tão preenchido de si 

nesse grande azul 
que agora mesmo  insiste
como se fosse teu 
e de cada vez
para todo o sempre


 jmts




David Hockney | Swimming Pool | 1978