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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








segunda-feira, 23 de julho de 2018

|Caderno dos Lugares|
                                  


















 

madrid | 2015
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sexta-feira, 13 de julho de 2018

sublinhados & notas




Traçar um Nome no Coração do Branco | Rosa Alice Branco | Assírio & Alvim | 2018


DO POEMA ENQUANTO CLIPE

 
Apresentar um livro de poesia será sobretudo celebração da própria poesia, e nela da vida, na exacta medida em que os poemas nos acrescentem, como é notoriamente o caso, sentido e sentidos à nossa tão gloriosa como precária existência: Rosa Alice Branco, Traçar um Nome no Coração do Branco (Assírio & Alvim, 2018). E tal acontece, antes de mais, porque se trata de um ciclo poético extremamente desafiante em termos de leitura, ao baralhar expectativas e questionar, na prática, os limites do que podemos designar, simplificando, como o universo da poesia.
Há uma primeira tentação: ficarmo-nos pela leitura, pela simples leitura audível dos poemas, e eis aqui um primeiro impacto da obra, a par do livro-objecto que não nos deixa também indiferentes, assim demasiado rosa avermelhado, com um título a branco que nos fala, precisamente, do branco. Enleia-nos uma musicalidade muito natural, um falar que diríamos chão, mas cheio de pequenas e preciosas surpresas. Um discurso que cria uma insidiosa envolvência no leitor, uma espécie de respiração fácil; há uma distensão nesta poesia, preguiça sensual, languidez. Sinto o livro bastante “cool”, na sua musicalidade fluente, mesmo que o clima não deixe de ser frequentemente lírico e (não tenhamos medo da palavra) apaixonado. Ainda assim “cool”, predominando uma espécie de contínuo “legato” que, aliás, a regularidade da própria mancha gráfica confirma.

 
O que imediatamente toca o leitor neste livro é a conhecida coexistência na poesia de Rosa Alice Branco de um vector que ligaríamos ao pensamento racional, técnico, científico ou filosófico e de um discurso propriamente lírico (basta recordar títulos da autora como Monadologia Breve ou A Mão Feliz- Poemas D(e)ícticos). Poemas como os que aqui encontramos accionam múltiplos saberes e há, no caso particular deste ciclo, a proposta de uma espécie de catálogo de modalidades e objectos de design (num sentido amplo do termo), que vai das peças de autor aos objectos mais comuns, passando também por termos científicos ou referência a marcas comerciais e a um conjunto de termos que associamos ao mundo moderno e globalizado. No entanto, tais referências entram numa deriva poética que dá a um universo que seríamos tentados a considerar tecnocrático novas e inesperadas ressonâncias. Mas não se trata, naturalmente, de uma exibição gratuita de extravagância nem do gosto da provocação pela provocação, embora haja aqui um muito evidente sentido lúdico. Somos, antes, conduzidos a uma travessia de saberes que pressupõe um alargamento do campo de experiência da vida que a melhor poesia sempre nos propõe. Como diz Barthes em Leçon, trata-se apenas de seguir o exemplo da pedra de Bolonha:

            «A literatura [e por maioria de razão a poesia] ocupa-se de muitos saberes (…) [mas] desvaira os saberes, não estabelece ou fetichiza nenhum deles; concede-lhes um lugar dissimulado e essa dissimulação é preciosa. (…) permite designar saberes possíveis- insuspeitos, inacabados: a literatura trabalha nos insterstícios da ciência: está sempre para além ou aquém dela, tal como a pedra de Bolonha que irradia à noite o brilho que acumulou durante o dia e com esse luar ténue ilumina o novo dia que desperta. A ciência é grosseira, a vida é subtil, e a literatura interessa-nos na medida em que tende a corrigir essa distância, essa diferença.» (Lição, ed. 70, 1979, trad. Ana Malfada Leite)