poesia . fotografia . & etc.


Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








quinta-feira, 27 de maio de 2010

Parábola Óptica
teorias portáteis sobre fotografia



Um espaço para falar de fotografia, o que quer que isso queira dizer: o falar sobre e o próprio objecto do falar. Uma luz ou escuridão central de que só nos acercamos, por pudor, temor ou encandeamento. A inspiração do título vem de uma fotografia de m. álvarez bravo.





Livros de Fotografia: modo de usar

Como ver fotografias? E nos livros?
Claro, podem expor-se, elas são mesmo o resultado de exposições várias, dos corpos, dos filmes, nas paredes. E nos livros.
Nos livros estão expostas de modo a que a sua mútua presença cria desde logo narrativas implícitas, fios de espaço e do tempo, a percorrer. Fotografar é ocupar o lugar e um livro de fotografia encena ou retoma essa ocupação. Não esquecer ainda a existência física dos nossos dedos que reorganizam a cena, em velocidade, sequência, atrito, hesitação.
O livro de fotografia 720 de Andrew Phelps (ver aqui), bem como o vídeo que o apresenta, são uma muito sugestiva colocação destas questões.

 
J.M.T.S.






terça-feira, 25 de maio de 2010

O aprendiz de FEITICEIRO
teorias portáteis sobre poesia




TEORIA DA POESIA: parêntesis de parêntesis ou o feitiço contra o feiticeiro



No título a alusão ao belíssimo livro de Carlos de Oliveira. Esta etiqueta recobrirá efémeros pensamentos pessoais sobre poesia, num dia em que o autor do blogue se ache mais inspirado, ou justamente menos, talvez apenas mais pachorrento, para recordar a versão pacífica de um verso célebre. Ou recolhe-se então, a propósito, uma citação teórica, um poema ou excerto narrativo alheios, tudo o mais.

É também uma homenagem distante a um professor de Teoria da Literatura, Américo Santos, a quem muito admirava por um saber que queria sobretudo inquietar (assistente de um outro professor que também não esqueço, José Augusto Seabra, ambos absurdamente já distantes do mundo onde estamos). Ensinava ele que nesse livro de prosas estavam sugeridas, exemplificadas ou consagradas todas as grandes questões de uma teoria da literatura (dizia: podem daqui nascer infinitos ensaios sobre a vida dos livros).

Permita-se uma primeira intuição sobre o tema que aqui nos ocupará: uma teoria da poesia talvez se traduza apenas em parêntesis como estes, parêntesis que sempre se abrem noutros parêntesis, algo que vai avançando, mas tudo suspendendo e a tudo regressando. Sim, e talvez se vire o feitiço contra o feiticeiro, manipulando matérias facilmente inflamáveis.

O Aprendiz de Feiticeiro- um livro que, se pudesse, mandava encadernar com uma capa sóbria de pele natural, para proteger os grafismos de Lima de Freitas e as fotografias de Augusto Cabrita, mas haveria nela desenhos extravagantes embutidos, labirintos lavrados a fogo.

J.M.T.S.






















Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro (com fotografias de Augusto Cabrita),
publicações dom quixote, 1971









quarta-feira, 5 de maio de 2010




















J.M.T.S.


súbito
Agora o menino fixa os brilhos do Sol numa poça de água. O labirinto de ruas, esquinas, montras, espelhos, tabuletas que dizem «moda», «médico», «filatelia», «retrosaria», trouxe-o até ali, àquela praça de luz mediterrânica. Vão partir para África tios e primos, fica pequenino à sombra do vapor, um imenso paquiderme, aquele movimento do cais chora-lhe nos olhos. Ele antecipa a sirene dramática, o barco que vai desencostando, os sabidos lenços brancos. Fixa os brilhos de Sol numa poça de água, a intensidade que ofusca, e pensa, surpreendendo-se de o pensar: «Vou olhar esta luz. Daqui a muitos anos volto a pensar nela, ela existirá ainda talvez, talvez tudo exista ainda um pouco e nada tenha acabado e eu fique aqui para sempre a olhar o brilho desta água para não chorar, talvez partam mas tudo fique ainda um pouco, para sempre».


J.M.T.S. in A Minha Palavra Favorita, Centro Atlântico, 2007