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Talvez o mundo não seja pequeno / Nem seja a vida um fato consumado . Chico Buarque de Hollanda, com Gilberto Gil








terça-feira, 17 de agosto de 2010

súbito a mão


São poemas antigos. Sinto que escrevo hoje bastante melhor e bastante pior do que nesses tempos. A dedicatória que lá não está é ainda a dedicatória que lá não está. Sei que, se um dia puder publicar uma reunião de poemas meus, estes vão aparecer: primeiras pedras, seixos, pedregulhos.



I.



Súbito
a mão
para lá da
luva prespontada
aqui influi o sangue
langue o corpo exangue
dói
pelo empapado tecido opaco
enquanto duram os
mecanismos perfurantes
Mas súbito
a mão





II.


Rasga-te o pó do rosto
o trovão limpo
sobem as águas
ferros enferrujam
arcos de ângulos
barcos rumam
o teu olhar
liso
após a tempestade



III.



Precária transparência
rente à janela rasa
duram os destroços
vivos a asa aparafusada
caindo
quartos de olhos
entreaberto círculo
espiado violada
permanência
a tua mão fria
no lençol clandestino
esvaindo
Mas súbito
copiosas chuvas
nos teus dedos
frágeis
frios






IV.



Chuva nos vidrilhos espa
lhados
rui o lugar enraizado
a ferro labirinto des
dobrado à chuva grossa
nos cruzamentos cerrados
abrem-se as pontas
no mudar do nevoeiro
as pontes
A tua mão
chuva concêntrica
no lago





V.


As raízes fundas per
seguem as tuas
águas claras reentrâncias
unas sugadas pelas
células mortas minerais
Envolvem férreas circunstâncias
o leito adulterado
as mãos cerradas per
passadas
Mas súbito
as dunas
a mão
e
a mão
entrelaçadas





VI.



Persistem as duras
cintilações nos belos
espelhos a guerra ácida
óxidos ferros per
sistem Mas nos membros par
tidos o súbito
sereno laço
a asa asa
Silêncio
no côncavo da onda
a tua mão
vem





VII.



Trovejados até à lisura
os poros de areia nas pálpebras
de chuva





VIII.



Nas veias do teu olhar
no súbito seio
da tua palma clara
reerguidas as cidades
no curso dos teus dedos
E apagam-se os sinais
                      acumulados



Esta sequência poética foi publicada em 1983, no âmbito de um concurso literário organizado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com o apoio do F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis), comemorando o IV Centenário da Morte de Camões -1980-81. Coube-lhe o segundo prémio, sendo o júri constituído, nomeadamente, pelos professores Arnaldo Saraiva, José Adriano de Carvalho e representante da Associação de Estudantes. O primeiro prémio foi atribuído a Mecânica do Sexo XX, que inaugurou a obra poética de Luís Adriano Carlos, investigador e professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O terceiro ao poema "Espigas de Urze" (publicado conjuntamente com o segundo prémio), de Mª. Conceição Meireles Pereira, hoje investigadora e docente do Departamento de História da mesma Faculdade (autora, aliás, de um pequeno livro que muito aprecio: O Porto no Tempo de Garrett - Biblioteca Pub. Munic. Porto, 2000). O desenho da capa é de Ana Freire.












2 comentários:

Logros disse...

Zé Manel, decerto publicarás, um dia, os teus poemas reunidos. Mais cedo ou mais tarde a qualidade faz o seu caminho.
Já pus o teu blogue nos meus links.
Abraço grande,
I.

José Manuel Teixeira da Silva disse...

Muito obrigado, Inês.